segunda-feira

Poematomas - Peso de água

Cachoeira Grande, Serra do Cipó

o verbo voar levita?
evita ele a falta de ar?

o verso não agradara
      recorte involuntário de estranha crueldade
      beleza que certamente não conforta
porque não se conforma
- a poesia em sua materialidade

enchente iminente recitara
arrebatadora natureza de tempestade

mas é com leveza de rio
dureza de pedra
peso de água
que a palavra batera-lhe na cara

  

domingo

Labirinto

Labirinto, Ma Ferreira
Assombra assim
       complexa e bela
Assona teu aroma
     abstrato jardim
     absinto

Quanto mais conheço o rumo
mais perco o prumo 
entre veredas do que sinto.

De ouvido a olvido
me encontro em labirinto.

Adri Aleixo

Marcos Pizano

  

Hospedeiro errante

alojam-se corações viajantes
que adubam almas com vírus fungos bactérias
                                          tatuagem carne viva

estalagem a céu de buracos negros
carregado de cada um de nossos vazios

(também sou passageiro 
                           tangente
de pouquíssimas paradas
                    leve instância)

de não se pedir guarida 
                     indulgência
  a quem é de sempre ir           
- para quem só há substância na partida

da ausência
     curta distância
sonhos indigentes
na bagagem
gentes e seus cacos
- colados aos meus

hospeda-se e ejeta-se

(sempre um estranho
                 a distar-se)

  

sábado

Perdão da liberdade

Paulo Vieira, Inédito Um 013
perdão do ódio que nega-se amor
da lágrima pelo choro frágil
                                   absurdo

perdão da vida
             por achar que era sua
do tempo
             a não se remir

o perdão da ausência
               que suplicam sol e lua

que mesmo podendo ser fácil não se faz pedir
o perdão dito surdo
                - disse que deu?

o perdão que não pude dar
               porque não era meu


O arremate do Giz de Alfaiate

Para Seu Tonim, na provocação de Roberto Lima
o som preciso da afiada tesoura
     desejo de cós sem presilhas
     pele sem vincos pregas
sem dedais para alinhavar na bainha dos olhos
o que a lua prateia e o sol doura

a palavra corte - mesmo que cerzidamente escrita - nunca cicatriza

ainda há de ser a unha comprida e dura
marcar no tecido do tempo
suave giz a desenhar por onde a vida fere
     a suja mão italiana rouba
     a luxúria vaticana agoura

não há liberdade na mascara no molde
                   e por mais que isso revolte
                                                        sim

                       hoje o sonho está preso

   

quarta-feira

Tão triste


olha-me
ainda dobro as asas que me levam a ti
e melancólico eu vou até que me rende
de tão triste tristonho morrer

qual sonhei
donde trazes violinos eu voei
mais que do céu relampeou
mil vezes cair 
e não me viste 
nos olhos 
mentir

te pertenci
desde que me encantou
com seu jazz nosso jazz com jeito de blues

donde não parecia a nenhum de nós
que tudo acabaria em vão

nem mais um
nem mais a nossa bossa nova ouvir ao longe
dois pra lá dois pra cá de bem mais perto
teu rosto de novo

me feriste
de morte
amor

te pertenci
desde que me entoou
com esta voz e ao redor tudo mudo

donde não parecia a nenhum de nós
que tudo acabaria em vão

nem mais um
nem mais a nossa bossa nova ouvir de longe
e tremer nas pernas um tango leve
um samba canção

me feriste 
de morte
amor

de 
tão triste
vou morrer
de 
amor

  



 

domingo

Poema na cama


semblante moleque
dorme e se desfaz e faz
  ausente acuado
  que o mundo sossegue

deita sob pálpebras
retalho de vida sobre a cama inerte

pousa peito liberto
meigo recatado
vinho recém aberto

aceita e esquece
que para a saudade todo amor sempre se perde

dorme criança linda
que mansa assim
          a mim entregue 
parece
          e por isso me faz 
mais feliz ainda 

  

quinta-feira

Poema de ácido amor

Paulo Vieira (estudos) - Contorcionista 1 
neste álbum de momentos impunes
         guardo lágrimas
         regurgitos de pura vaidade
         no fel da farsa
                         que engasga e cala

mas não ensurdeço
- verso de amor não putrefaz palavra

ah
é bom sim acarinhar
os amantes que se assumem
e por assim escarniar
     são imunes
            aos pulhas
                   e seus azedumes

  

sexta-feira

Esquina do fim

Paulo Vieira - figuras sentadas 003

que se esvai 
           abandonando-se 
dedos frouxos na tramela
                           trêmula retina
janela sem marquise


(o que pode herdar esta noite dos dias de sobra que não se viram guardar?)


nas correntes do vento 
                         empurradas pela tempestade
desencadear-nos-emos em milagres miragens
recatadamente 

reinará
templo portal do tempo 

estranhado nos olhos 
 publicado na Tertúlia Pão de Queijo



terça-feira

Ah, seu doce olhar

namoro de longe
como monge
a meditar

desejo de amor atrevido
que jamais se esconde
não consigo evitar

beijo em noite quente chuvosa                  
sua carne de vento e barro
templo sem lugar

e fico todo atrapalhado
quando vem perto
seu jeito meigo de doce olhar

se ainda mais perto mais me perco
perto demais
- ai meu Deus

tão perto que se faz dentro
e me faço
guardar


domingo

O agitador

 a Murilo Teixeira

Praça Serra Lima, Governador Valadares - berço do Movimento Poético, há três décadas


poeta do belo 
          singelo
farpado entre amarras
arado da palavra 
              cravada
              irrenunciável

agitador de gente
tropas em trovas
artesão de longa e grisalha vida

amante do fardo do dia 
                  - a cada dia
do único amor 
                 - aos amores intransparecíveis

adubou-se da desconexa dualidade da vida
   de estar e não ser
   e não se contentar
      de ser e não se achar
      e só nos versos senti-la cantar

de trovar os sonhos
que não amanhecem


quinta-feira

A dois, adeus

na cabeça
     um reino alheio ao peito


duma noite de céu aberto
                      frio intenso
ficam mãos
         que perfumam a pele
- a cama macia


deixei-me contigo
na taça
     um vinho permanente
na dança
     braço quente
guardando-te forte


sonhei muito amar seu amor
        mas coração não sonha
        bate
           ou não
                 bate

foste de mim
livre como chegaste

e a gente vai sem jeito
- já que nada se faz desfeito
num adeus
       a dois



sexta-feira

Renomeação

descalçar-se dos pés 
plantados no chão 
para rebrotar entrenuvens 

pisar por onde 
largar pegadas 
na leveza de plumas em graça em cócegas 

como pizanear 
antenar mapear estrelas 
vagar entremeias 

para renomear
pés que poetam para voar



 no Tertúlia Pão de Queijo

  

sábado

Nação de anjos

quintal, em Timóteo/MG

finco pé nas estrelas
- choro séculos de solidão
de lá
     só vi um lugar de ser feliz
    
é casa velha
          simples
          de quintal paraíso de criança
(onde fui anjo)
          
mas a alma carburante
só sabe seguir adiante
gosta de desfilar o corpo liberto pela rua

é que os quintais 
não querem mais 
                         muros
subornos golpistas
ditadores legalistas
não querem mais ilusão vingança
            cantos escuros
                          

e ranjo
           NÃO

o dia que hoje nasce vai durar história

eles não sabem não
       mas 
            mortos 
                já estão

   

domingo

Amor esgoelado

entranho pela boca
    dedo em riste
    estilingar de língua
  
(por mim
que não mais me reconheço
por nós
deste olhar avesso)

estranha a máscara pele         
               o verso triste
               em palavra leve

entre o pensamento
         a verbalização silenciosa
atira a bomba
         o grito
                  SIM
        - e não enfureço
 
abraça forte
                    e
         sem paraquedas
    num grito sem porquês
                                          despenho

e amo
        livremente

  

quinta-feira

Sonhando Setembro

Gravura nos jardins da Igreja Matriz de São Sebastião, em Timóteo/MG

 tenho um país para ti
           não este
           que esfria braços
           cega porta-retratos

para teus dias de infância
tenho canto de povo sofrido
(alegre ciranda)
            não este
            que seca colheita
            surda lábios
                                                       
para ti tenho casa com varanda
e lind’almas floridas no jardim

tenho um sonho livre contigo
          mas nem em pensamento digo
          pois temo que vais
                       ainda mais
          com nosso país
                       para longe de mim
aqui

   

sábado

Lua diurna

no incrível céu de Barretos.

quando o tempo fecha em teus olhos
                          é assim
     espantosa lua diurna
sem nuvens de moldura

e se isso for se
se estiver por um fio
(sombras que caem
como o não
         com seu frio)

o tempo a frente já não ajuda
- nunca nos resgata
       adiante
como antes
sós

dragões borboletas
e eu nem o crio
isso de não sei
       de não mais
       de não saber dizer o que o coração sente

a cidade sequer cheira
nem ecos de passos
de pássaros
- a morte sequer estreita

(ou a mim
como ao fim de tudo
       há o fim de tudo)

isso não se chama se
                        ou sim
           o não for o fim
de tudo em que cri
       o não por um fim

o sol por um triz
a lua que se diz gris
- e se eu disser se
  diria também fim?

você dorme
não sei
não há mais
- para mim -

de tudo 
     um fim

  

segunda-feira

Mar revolto



o poeta excede para dentro
nos limites da métrica versa tão solto que a dissolve
 
mas há
        sim
        uma pátria como se não fosse


esmaga
esgana
expulsa
 

o homem
mar revolto em gota d’água
 
  Este poema e a peça da foto também estão na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. Fazem parte da bela exposição "Viniciando", da ceramista Ma Ferreira, em homenagem ao centenário de nascimento de Vinicius de Moraes. Ficam lá até dia 30/08, sexta-feira.  

quinta-feira

Fado d'olhos

espírito livre

               e passional coração

buscam para não encontrar

              amor na paixão

sabendo-se sangrar

lagrim’ágoas
 
Para Má Ferreira, em obra dedicada a Vinicius de Moraes, exposta na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, neste mês de Agosto
 
 

sábado

Chuva


vais distraidamente
nesta tua capela absoluta
      (disso nada se desfaz
                nada se desata)
vais no teu tempo que se rebela
já não escuta

- e a tua rosa papel machê?

respondas agora
digas ao papel pardo
(um nada que fica e que tudo arde)

por que?
por que tu te vais na chuva?

- e eu que nem teu poema pude dizer!

caprichosa em bela mascara
                             respondas
                                 é tarde?

não sei se responderias
                                 sim
é tarde para esta gota precipitada a borrar a palavra - ainda não poesia

mesmo sem saber
dei a ti (a mim)
cada colorida pétala
(de textura dolorosa!)

                                 suspiro ao vento vácuo
                                 tua pele
                                 tua fala 
                                 teu buquê
como noite que desespera a entrega do sol

é delicado ver-te rosa
   mas és filme árduo
   de lamentos longos e sem lágrima
és minha prosa macerada
           de jardineiro morto

é delicado ver-te flor
   mas és tristeza profunda
   de uma fé que emburreceu

- pra que, meu amor?

(por favor
não te desfaças na chuva!)


   

quinta-feira

Sô Tonim

vejo você sempre 
        no sofá da ausência 
        nas irmãs mansidão 
        nos sorrisos netos 

meiguice 
atitude 
elegância 

tudo refletido neste espelho tempo 
                                      seu rosto 

     disse em nosso leito de morte 
da sua voz serena 
seus olhares azuis 
sua aveludada mão 
     da honra de ser seu filho 

meu mundo
     seu colo 


Publicado na Tertúlia Pão de Queijo



sexta-feira

Desejo de amor


traz o coração
                pote de felicidade
a adiar a última paixão

para
       por única vez na vida
       segundos que sejam
fazer amar
       e ser amado
                 o suficiente
                              para

                              desejar um novo amor


Para Má Ferreira, em obra dedicada a Vinicius de Moraes, exposta na Livraria Cultura neste mês de Agosto/13


segunda-feira

Colo



mudar-me-ei adentro
em busca do que antecede

recuso a vida emprestada
que se lê notícia
e não pertence a ninguém

recuso a morte emprestada
que comove a todos
e não chora ninguém

caramujarei sozinho
para a única fecunda terra prometida
o amor de minha mãe



poema publicado no Tertúlia Pão de Queijo


sábado

Amor cigano







ondulando ombros braços
                                                onde?
toco os olhos na fina cintura
na firme musculatura
empinada pelo nariz

                  ficou de dançar para mim
                                           sem véus

embaraço
nas tonificadas coxas perco o foco
arredondando nos quadris

                                                     ah
           que não tem fim esta procura

em seu sinuoso traço
acompanho a delgada desenvoltura

                      havia longos cabelos?
                                                evoco
                                mas não está lá

          cumpriu seu destino
           foi queixo à frente
              e nem sorriu

               amor assim
                  cigano

       não se deixa encontrar


Imaginárias castanholas


charme e elegância
chegaram aos poucos

foi só mão, não
foi muito mais

leves beijos
    à língua no doce peito
        e dedos cavoucos
            de roucos ais

nem sei se assim mesmo se chama
e se vai me chamar
mas sei deste olhar que gama
atrai de imediato
como se fossem imaginárias castanholas
em flamencas promessas de amar

foi só tesão, não
foi muito mais
 
já no primeiro tato
coberto do incerto breu
o corpo tremeu
para dizer
         sim
         quero ser o homem seu


domingo

Antes de dobrar os montes


Anoitecer em Porto Alegre






vens
vês que o sol vai se por
urucum na pele tua
             a  morenar

para quedar na lua guardiã
antes dos montes, meu amor
teus olhos
         inda mais lindar

 meu sol vai se adegar 
              para amanhã
              mas antes de entristecer
                                             és tu
                          última à primeira

             inspiração de amanhecer


Amanhecer em Belo Horizonte