quinta-feira

Na videira



sou sobrevôo
cachoeira a silente remanso
          para ver-te refrescante
hortelã e maçã verde
fragrância sensual

passeias por videiras
e poesias dobram montanhas
             assanhas vestes pelos
vertes descanso
  
rimo teu nome
             que é presente vidente
verso vivente
corpo consoante em alma vogal

sou o que sôo
brisa a torrente vendaval
        para ver-te lancinante
azedo a amargo a picante

vertigem verbal

  

segunda-feira

No canto do olhar




a vida quer entrar
e tu te recuas reto a alma ao breu
contrais em ato contínuo

lágrima em concreção

carne branca quase nua
esfregas tuas rugas  
tuas pregas
à exaustão

condenação a resto

face sem direito a rosto
um rio de águas repetidas no olhar


quinta-feira

Fornalha




a mata fumega
estala osso
o corpo curto-circuita
na pele o ar pesa grosso
secura de sangrar ventas

- respirar é esforço

  

segunda-feira

Exumação



então é isso
narra  sem amarras
vive menino
onde o coração é mais doce

como lenda
defenda chuva de estrelas ocasos
sonha  ao vinho
às garrafas
beija o asfalto em sangue
na cena de amor declarado de joelhos ralados

ele sorri
disseca
e cata os pedaços
- ossos hálitos dramáticos crina de cavalo lomba esperma -
e vai no horizonte
de único traço

este menino que sempre habita
condena e liberta
só ele precipita da ponte
e maldiz o perdão enquanto você peca


domingo

Sua super lua



amar noutro mundo
tão impossível quanto amar sem desamor
banhar-se no fétido Rio Doce
e deixar-se cobrir de luz sem margens
amar fora de si
no lado escuro da Lua

que hoje é só luz

  

sábado

Marinhagem



fales aos marujos surdos e sujos 
deste corpo 
imbarcável 
desta alma 
iniçável 
dos invisíveis marejados olhares
desta dor que só há em ti 

mas 
como quem escreve no que se espera de imprevisível 
da areia da praia
suspires profundamente e não respondas 

caias aos pés dos mares 
na brisa de gaia 
cascatas de arrepio 
e vás com as ondas 


   

domingo

Amor de anjo



cabelo em desalinho
langoroso sorriso
pele macia e quente

vejo adormecer meu anjo
em sereno suspiro

- sei que partirás
  e sinto a dor de tatuar-me do perfume de teu sexo

fúria de dragão na calda
viço de donzela ao dente

é vinho complexo
de longuíssima guarda 
na alma
porque quando um amor entra na vida da gente
não sai assim 
tão facilmente


   


terça-feira

O absinto de Saturno


Ainda vida com o Absinto, por Vincent van Gogh


ao deus que veio do medo
oro pernas em fuga
       mãos diluídas no escuro em que durmo

que diz de mim o coração amputado?

- como a música que dança o ouvido de Beethoven
  o absinto em que bóia a orelha de Van Gogh
  a cantiga moleca que agoniza Portinari

onde vela-me este amor extirpado?

- no prata no verde no branco no amarelo
  no belo estripado de chumbo noturno
  na morte que adoça vinho

assim sinto
assim tu és

foice de saturno

   

sábado

Amor escolhido



encontrei-te brinde à alegria
encantaste a tarte escarlate
encarnaste a translúcida taça de vinho
tempero d’alma
corpo moreno de sol a louro de lua

quando acariciei o cabelo em trança
- que deixaste para mim anelado de anjo
ergueste o ombro e eriçaste o alvo e longo lombo
abrindo lindo sorriso de criança

sonho
na ponta dos dedos

(há quem escolha não viver um amor
mas não há como escolher não amar)


  


domingo

Tu és dentro



teu sim
é tua arte
- palavra
  em si
  nua

é amor a permitir-se melhor
a insinuar-te
cravando intenso martelo
pingando em teu rosto meu suor
minha poesia

entrei forte
chicote de domador sobre o pelo
que arrepia

(só dista o que se adia)

- teu corpo belo
  bebo hoje num longo gole de uva tardia

tu  
tu és dentro
o meu tempo
a sentir saudade 
e amar em liberdade
amar em liberdade


  

sábado

Macerado coração

colhi para ti
a melhor safra
as mais vivas uvas
de brilho carmesim
- doce madureza em macias texturas

e mesmo assim
rente entrenós
podaste-me
jogaste-me ao chão
às secas ramas em ruína 

não bastasse
como espelho que finge
maceraste-me
apagando às lágrimas a pruína do coração
- com desdém no espezinho

dói pedra o tropeço na ilusão
mas não adstringe

fortifica o vinho

  

domingo

Amor, doce gole

vento de salina desértica nos olhos
com avidez de alma em sequidão
- há muito o amor se fez descolorir
  deixou de respirar vida

mas ele é surpreendente bebida
irriga a si próprio
brota longa haste de qualquer chão
faz sorrir ácidos lábios
ergue-se irrompendo a mais biliar solidão

dança dunas áridas
arromba grades
picha muros
sobe pelas paredes


quando menos se espera
nos acorda
suavemente 
ao dorso se lança
exalando aromas amorosos
lacrimejando sutis prazeres
e de sangue tinge a borda

que melhor palavra escreveria na tua boca
 a derramar-se adentro já no primeiro gole de vinho?

teu nome, meu amor

meu docinho

  

Nefasto



                 esquecido na cinza tarde
            - fragor de chuva de granizo
em corpo de raio o medo escondo
                                                                                                     
o belo anjo veio fera
               brindou sangue
                                 hediondo

agora sei
a morte foi menina sim
brincou comigo de não saber quem era

ah
nem se zangue

já não estranha mais o silêncio seguido de estrondo

  

sábado

Tristeza



a falsídia
ácida taça
virá cativante
- tempestade de palavras
  que querem-se incontroláveis

fingidora orquídea
jogar-se-á granizo bruto na vidraça
arrancará medo, dos olhos a tristeza
     impor-se-á lágrima
                            nua
             raivosamente

mas, findos raio e trovão
         aquelas
         exatamente aquelas palavras
         boiarão na correnteza

     e o amor ficará assim
               protegidamente

  submergido em solidão

  

domingo

Rota de Colisão


a primeira luz da manhã incide bela  
frágil como vela
corando a linha nobre do corpo de altivo porte

à volta
             silêncio
                           lembrança
cantiga adormecida num gesto de carinho

não há como esconder o coração
na gaveta dos lenços
dos deuses que chegam do medo

vale a vida esvaída na vazia taça de vinho

você é assim
prescrita rota de colisão


bom dia, amor!

   

sábado

Amor abstido

o tinto de derradeira taça
é quase insanidade, se for
do resto espero pouco
pensando bem, quase nada mesmo
nem meu sol a se por
sozinho

a vinha que passou, o dito
se terminou
     terminou perdoado espinho

do que segue abstido
     colheitas tardias
     adiam sempre o último brinde
     - contigo?
a morrer do próprio vinho



terça-feira

Lágrima de amor


quando a palavra amor cai da boca
                                               vazia
pesa ao ouvido
é abismamento, não poema

se chega seca falsa
                   belamente
                        fere abduz
versa vinho ácido, envenena

 mas, quando o amor
                             ama
 sai dos olhos poesia
                             é luz

    

quinta-feira

Amor avinagrado


há uma música surda no encanto do olhar
e a plumagem ilude em policromia

sim, pura beleza

mas é de corpos mutilados
de amores odiados
que chegam canções de sereia
- assassina poesia

em vinho avinagrado  
a fétida palavra vocifera
torpor

no feitiço das garras da fera 
não há amor

  

sábado

Tarde


não vieste 
  na tarde viraste paisagem 
  e o céu já cora 
  a lágrima que enviaste 

na lente rosé da taça de vinho 
   que o sol 
       também sozinho 
             logo se guarde 
                 a esperar amanhã 

  se é amor 
  não encarde 


domingo

Teus lábios

brilho do olhar
concentrado de vida

tuas beiras liberam aromas
amoras amores anoiteceres

preso em tua redoma
pernas vigorosas
teus vermelhos viscosos teus rosas
carnudos sutis intensos

doce nas pontas
picante nas laterais
no âmago ardente
teus cantos na língua

vinho sangue quente
opulência untuosa ao dente
que me faz teu vampiro
teu escravo
toda vez que demoras na boca comigo

  

segunda-feira

Fagulha

há de atear fogo
hastear labaredas na ponta dos dedos
jogar-se corpo solto
lambendo íntimos segredos

longa envergadura de drago
em jorro combusto
      beijo de único trago
                    última faísca

e num licoroso olhar
- página que sonha ser escrita com brandura
ler na pele minhas fagulhas


você me risca


  

quarta-feira

Desverso

Paulo Vieira - detalhe de uma pintura em acrílico s/ tela.
   
   gesto brega pequeno
este verbo em disfarce
                      é veneno
rebusca
mesmo o que não quer achar-se

- há coisa mais sem valor
                 que um poema
                         de amor?

  desconcertantemente
       desversa a poesia
  infiltra e se dissemina

e numa brusca rima
  desbota o sistema
                   repatria

                 o ditador

   

sábado

Na borda da taça

Nefando C - Fotografia de Wanderson Alves

viajo a desgarrar-me do tempo
                                   às cegas
nas corredeiras de um vale paradisíaco          
imerso nos mistérios de uma taça de pinot noir
                                                     a desdenhar
                                                             o futuro
deixo o que dos poros esvazio
(clausuro corpo dionisíaco)

e assim              
           quase sem ar
diante da inutilidade das palavras em ênfase
                                                           exalo-me
vou-me embora
entregar-me ao vento
num mortífero êxtase
                   satiríaco
 
afora       
     em ti
sem âncora
        sem cais
findo

    na borda da taça
teu beijo mais lindo
                estilhaça


- não te choro mais

  

domingo

Sonho de Champagne


deitaste o corpo delgado
em teus tons de rosa ao espectro solar
e brilhaste pele alva
a prender-me irremediavelmente o olhar

tu me acostumaste à arte felina
intensas cores e odores de caça
                                        de cio
aos aromas fluídos de laranja lima

quem me dera agora ter-te
pantera entre gardênias
a sonhar borbulhas de champagne

numa taça de vinho verde

  

segunda-feira

Ranhuras


em meu colo o mundo adolesce
e ganha garras
   eros feroz felino
e apetece afrodite
   beijo de incisivos e cravadas

ah
coisa assim a gente não esquece
(a pele que expunha
         delicadamente
      a ponta da unha)

leio teu convite
e em casa
      sozinho
      sussurro
      sim

suo na noite que enlouquece
neste tesão que carcome
e numa prece de amor
    urro
    teu nome


domingo

Leva-me


agora parto
    desatar-me
          desamar-te?

pés mãos
        pele de terra esturricada
este tempo não comparto
        contigo
                 antigo amor

no quarto
recheado de poesia verrugosa
lençol frio
         teu vazio reverbero

no momento exato
    antes que o tempo tudo aborte
    até mesmo a morte
meu corpo amortecido
       cai
e entrega tua parte

saudade

é tua arte

  

quinta-feira

Imarginar Minas

esta minas
que
       de ti
             ainda infinda persiste
- onde o mar não bete

que
      de mim
            ainda descrevo triste
 - sem que a dor a retrate

por ti
por ter-te
       oceânea estamina
meu centro
adentro


que aos montes escrevo 
em onda de sonho que mais tarde amanhece 
e na crueza de rocha dos dias que morrem mais cedo

ah!

se margens houvesse