segunda-feira

Rosa de Videira

Bento Gonçalves, RS

é dor devotada em desatino
dar-se de raiz à linha de frente
     soprar pétala para suavizar o vento sudoeste
     adoçar os sais para que a terra não se zangue

sacrífico e frágil destino
de entregar-se à peste
em prece ao senhor do sangue

na linda vinha
(mais bela ainda)
rosa é reverso de uva
e por isso é uva
é delírio
corte oblíquo de espinho

e não percebe-se:
na taça
bebe-se também a lágrima da uva pela generosa rosa
unidas na mesma dor
de adensar vinho

* As frágeis roseiras são plantadas perto das videiras, como bois de piranha. 
Quando as pragas atacam, elas adoecem primeiro, 
dando tempo para os viticultores salvarem as vinhas. 

sábado

Noite serenada




teu dia espreguiça
na lenta sombra do monte
e volta para ele mais cedo

êta minas danada
o que faz teu gosto mesmo
é a noite serenada

quarta-feira

Elegância


ateia fogo a jovem pele morena

ergue fogueira
risca céu e inferno

na ponta da língua sobre ameixados lábios
labareda inquieta de primeira fagulha

mas não trisca
chama e abandona
abafa esfumaça afoga
e vai embora
elegantemente



sexta-feira

Epifania

Imagem - Nasa
recito os versos que universas 
e sinto apenar-me neste teu ego intestino 
     buraco negro cosmo oco 
            desconexo sem eco 

desintegra-me esta tua palavra 
a visão que se me destina 
é flagelo diante de teu raio sideral 

tu 
     cujo tempo eterna agora 
     cujo lugar sou eu 
     onde todo verbo cabe e transborda 
     que tudo há 
     e
me exclui 

de teu sonho celeste me despejas 
com o frio desbeijo da vida
     que só vai   v a i      v   a    i 


   

quarta-feira

O rosto dela

"O rosto dela" - Paulo Vieira

parece gostar do toque leve dos dedos no peito
e a despeito do bom da palavra dita
o que fica é este olhar incógnito
          escombros
               corpo inóspito
que curva penumbros ombros

(fissura em conta-gotas
dor que não se esgota)

este prazer agiota
êxtase que escorcha
sob lenta tortura


  

domingo

Soberba solidão

Canela-de-Ema da Serra do Cipó (internet)




flor de brisa sobre pedra
selvagem beleza que ponteia o campo

solitária e marcante presença sua

(por que nos deram mundos opostos?)

gigantemente ela fica de pé
sonhando com terras lavradias
soprando versos pela vida
               que não a orbita

palavras tantas
             todas onde deveria estar você

e em desdenho e soberba
a serra blasfema sua imensidão
contra a flor lágrima